quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Crônica: Aminofilina


(Essa e uma crônica, não é a bula do remédio)

Aminofilina era um amigo de infância. Convivia com ele por meses. eu precisava tomar esse bendito remédio  broncodilatador quase que diariamente quando eu sofria de uma crise de bronquite asmática. A torcida sempre era desse meu amigo resolver minha situação, que não era muito boa. Minha rotina em tempos de 'crise' era tossir, tossir, expelir um catarro verde pulmonar (quando criança, achava que essa era a cor do meu pulmão.) e respirar um pouco melhor,e depois voltávamos ao ciclo. Mas quando não adiantava, e a respiração ficava fazendo um barulho de um ratinho grunhindo, era hora de partir pro hospital me internar, enfiar uma agulha no meu pulso esquerdo, ficar no soro e tomar uma sopa nojenta de hospital. E eu xingava aquela bosta de remédio com um dos gostos mais amargos que experimentei. Mal sabia Aminofilina foi apenas uma prévia do gosto que a vida seria.

Quando voltava do hospital era cercado de cuidados. Não podia sair pra brincar, não podia pegar poeira, não podia ficar perto de cachorro,gato,cavalo,periquito, porquinho-da-índia,iguana e do castor albino da Groelândia. Eu odiava não ser uma criança normal, que brincava, se estabacava no chão (mentira, isso eu sempre fiz com maestria), que jogava bola até cansar ( no meu caso seria por 15 min ou menos), que mexia na sujeira, tacava gatos na parede enfim, tive muito pouco do que gostaria de ter na minha infância.Embora ela não tivesse sido ruim.  Vi muita televisão e só conseguir transpor minha paixão pelo futebol, escolhendo a posição mais difícil e cruel: A de goleiro. Amo ser goleiro , mas na época era necessidade. ou era isso ou futebol só no mega drive, com aqueles gráficos incríveis de 16bits. E sozinho, fiz meu mundo de imaginação, com os bonecos que ganhava e os gibis da DC e da Marvel que meu vizinho sempre me emprestava. Não foi de todo mau a minha infância, mas sentia que não era normal. Claro, não é normal faltar duas semanas no colégio por estar doente.E eu sempre tive dificuldade em fazer amizades. Tanto é que, não tenho contato com nenhum amigo daquele tempo.

Quando adolescente, as crises finalmente sumiram e eu pensava comigo mesmo que eu viva de teimoso, se eu nasci com os pulmões tão fracos, porque durei tanto? Porque tive que sofrer tanto na infância? Questionei a religião, no catolicismo não souberam me responder, isso devia ser um karma. Bosta de karma. Dizem que as coisas que acontecem com a gente na infância nos marcam pra vida toda.E é verdade . Sempre fui quieto,introspectivo,só, tenho dificuldade de me relacionar com as pessoas, acho que devo tudo às minhas noites mal dormidas tossindo massinha de modelar verde .Sou desconfiado, tenho medo de me relacionar, por que não tive como fazer isso quando criança. A solidão era foda, e eu nunca fiz nada para amenizar isso. Na adolescência, Fiquei mais sociável, melhorei, fiz mais amigos, mas não soube cultivar o suficiente todas essas amizades. O tempo é cruel, muda sempre os rumos da gente, temos sempre que aproveitar os momentos e renovar as amizades. Eu acho que não as renovei, não me renovei. Apenas retrocedi. Foi como ouvi algo de um amigo, que no fundo no fundo, você está sempre sozinho, não tem ninguém com você.Você nasce sozinho, morre sozinho. É o que eu sempre senti. Pude ter uma multidão do meu lado, mas no fundo estive sempre sozinho. Porque não me abro com as pessoas, elas devem achar que não gosto delas, e se afastam. Não sei, é uma teoria boba e sem fundamentos. Mas o certo mesmo é que eu  me livrei do gosto amargo da aminofilina, mas o amargo dela nunca saiu de mim. O gosto vive circundando na minha boca enquanto pode.


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